200 anos de Anne Brontë: a irmã esquecida.

Neste ano de 2020 é o bicentenário de Anne Brontë (1820-1849), esta que é a terceira das irmãs inglesas que revolucionaram a literatura de autoria feminina na Era Vitoriana. Por esse motivo, resolvi fazer este post sobre a vida e um pouco de sua obra. Foi inclusive pelo fato de Anne ser a irmã menos estudada e lida que resolvi utilizar uma de suas obras como objeto de análise na minha monografia na graduação.
Ao concluir a pesquisa, constatei que isso se deu porque o pensamento de Anne era ainda mais revolucionário que o de suas irmãs, o que claramente ia contra aos preceitos extremamente conservadores de sua época — tanto que A Senhora de Wildfell Hall pode ser hoje compreendido como um dos primeiros romances feministas de que temos notícia. Assim, fazer com que mais pessoas conheçam a sua obra é de grande importância para que se conheça essas mulheres que abriram caminho para que tenhamos os direitos que usufruímos hoje, bem como nos dar força para continuar com nossa luta. Agora deixo para vocês um pequeno recorte do meu trabalho.
Anne nasceu em 17 de janeiro, em Thornton, Yorkshire, no norte da Inglaterra, uma área que, na época, era de grande conflito entre capital fundiário e capital industrial. É a mais nova entre suas irmãs, também escritoras, Charlotte e Emily. Também tinha um irmão, Branwell, e outras irmãs mais velhas que acabaram falecendo muito cedo. Morreu ainda jovem, com apenas 29 anos de idade, vítima da tuberculose. Deixou um legado para a literatura de dois romances: Agnes Grey (1847) e A Senhora de Wildfell Hall (1848), um livro de poemas publicado em conjunto com suas irmãs, assinados pelos pseudônimos que elas usavam, Poems by Currer, Ellis, and Acton Bell (1846), além de cartas. Segundo Campana (2017, p. 11), o tema principal de suas obras seria “a condição social e cultural das mulheres numa sociedade patriarcal inglesa”. 
Seus pais eram Maria Branwell Brontë e Patrick Brontë, um pastor imigrante irlandês, intelectual, “cujas sensibilidade e erudição foram insuficientes para torna-lo apto a proporcionar às filhas uma situação econômica tranquilizante.” (CAVENDISH, 2012, p. 06). Por conta disso, as meninas tiveram de ir estudar em colégios internos para filhas de clérigos e, na fase adulta, ir em busca de empregos como governantas. Sua mãe, Maria, morreu quando Anne tinha apenas um ano de idade. Em decorrência disso, ela e seus irmãos foram criados por uma tia, irmã de sua mãe. Segundo Lima (2017), a influência que a tia possuía sobre Anne, se refletiu em seu comportamento, personalidade e caráter religioso.
Ainda na infância Anne e Emily, em suas brincadeiras, criaram o mundo imaginário de Gondal, e Charlotte e Branwell, o reino de Angria. Isso mostra que desde muito cedo tinham uma grande imaginação, além de aptidão para a leitura e escrita, que posteriormente seria concretizada. Como mostra Cavendish (2012, p. 07):

Suas imaginações poderosas [...] parecem ter sido fertilizadas pelas condições adversas de vida: solidão, pobreza, doença paralisante e um trabalho que pressupunha alguma forma de legitimação intelectual e status social, mas que na verdade consistia em humilhação acrescida do fardo de tarefas prosaicas exigidas e religiosamente transformada pelas três [irmãs] em análises profundas da condição feminina emoldurada nesse estamento ambíguo da sociedade inglesa do século XIX: a categoria governanta.

Por conta de sua educação, Anne conseguiu trabalhar como governanta em residências como Blake Hall, propriedade da família Ingham, lugar que de acordo com Lima (2017), seria a “primeira vez que teria a oportunidade de ser independente, contando apenas consigo própria” (p. 108); e na casa do Reverendo Edmund Robinson, em Thorp Green, onde adquiriu experiências que lhe serviriam como base para escrever Agnes Grey (1847). Nesse romance, Anne discorre sobre a condição de governanta/preceptora naquela época e sociedade, abordando todas as dificuldades que eram enfrentadas, a partir de suas próprias vivências. 
Em consequência de sua morte prematura e da não compreensão da altivez de suas obras pelos críticos da época, Anne é considerada por muitos como a “irmã esquecida”, pois os estudos centrados em suas obras ainda são muito novos em comparação com os das obras de suas irmãs. Mas como salienta Lima (2017. p. 113), Anne Brontë era provavelmente uma mulher que muito poderia fazer pela causa das mulheres vitorianas: “não porque fosse uma ativista, mas porque estava ciente da importância de contar a verdade”. 


Publicado por Anne Brontë em 1848, sob o pseudônimo masculino Acton Bell, A Senhora de Wildfell Hall é considerado como a grande obra da autora. Mesmo que na época de seu lançamento não tenha conseguido elogios da crítica, pois foi considerado como inapropriado ou até mesmo imoral. Tal acontecimento deu-se pelo fato da autora mostrar explicitamente na obra o que eventualmente acontecia dentro de um casamento infeliz: as violências psicológicas e físicas que a mulher sofria calada, e em que o vício transformava um indivíduo – fatos que a sociedade da época preferia deixar em sigilo. Da mesma maneira que o livro subverte o ideário oitocentista sobre o casamento como a entidade definidora da identidade feminina.
A desaprovação dos críticos também se dava em como eram mostrados os homens na obra, pois segundo Romeu (2017, p. 08), alegaram ser em sua maioria infantis ou depravados. Para Campana (2017, p. 87): “nesse segundo romance a autora detalha o crescimento ou a deterioração de vários personagens a partir de uma técnica sofisticada de narrativas em camadas o que faz com que o tema do romance seja sustentado”. Desse modo, na obra são apresentados diversos arquétipos de pessoas, tais como conservadores dos bons costumes que subjugam quem está fora desse padrão; homens jovens e até mesmo casados vivendo de modo boêmio, participando de festas, mergulhando nos vícios (jogos, álcool, drogas) e oprimindo as suas esposas; o drama das moças que eram obrigadas a se casar mesmo contra sua vontade; entre outras coisas, que na época não eram vistas com bons olhos quando vinham à tona. E, principalmente, o desenvolvimento e processo de amadurecimento da protagonista.

Em virtude do seu aniversário de 200 anos, a USP (Universidade de São Paulo) realizou um evento online com lives e palestras sobre a vida e obra da autora. Não preciso nem dizer o quanto isso me trouxe felicidade, pois a pouca visibilidade que Anne tem não é nem um pouco compatível com a grandiosidade de suas obras. Vocês podem clicar aqui para entrar no site do evento e ver as lives que estão salvas, caso queiram conhecer mais sobre ela.

Espero que tenham gostado do post. Um beijo e feliz dia dos namorados. 🖤

Referências utilizadas:

CAMPANA, Crislaine Aline. A irmã silenciosa: Anne Brontë e a escrita de autoria feminina na Inglaterra do início do século XIX. 2017. 122 f. Monografia (Bacharelado em História) – Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Paraná, Curitiba.

CAVENDISH, Márcia. Anne Brontë: a voz esquecida da literatura inglesa. Revista Gênero. vol. 6. nº. 1. 2012.

LIMA, Sónia Aires. A Emancipação através do Trabalho: protagonistas femininas na ficção de Anne Brontë. 2017. 176 f. Dissertação (Mestrado em estudos ingleses e americanos – Área de Especialização de Estudos da Cultura) – Universidade de Lisboa.

ROMEU, Julia. Anne, a terceira irmã Brontë. In: BONTË, Anne. A Senhora de Wildfell Hall. Rio de Janeiro: Record, 2017.

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