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Sobre a cobrança em ser produtivo(a) durante o isolamento social.


Acredito que este esteja sendo um período difícil para todos nós, afinal, se você tiver apenas um pouco de consciência, deve saber que nada vai bem no nosso país, e uma pandemia como esta que estamos vivendo só piora tudo. Diante de tanto medo, medo de ficar doente, medo de perder alguém que amamos, medo de as coisas não voltarem ao normal, ainda existe algo que aflige grande parte das pessoas, tanto as que trabalham, quanto para as que estudam ou que estão tentando desenvolver algum projeto pessoal: a produtividade.
A cobrança em sermos produtivos está sempre presente, somos cobrados o tempo todo, às vezes isso acontece principalmente por nós mesmos. Nos forçamos a produzir, a nos sentirmos úteis, ativos, o que é muito bom, mas que não necessariamente precisa acontecer todo o tempo. Nem sempre as coisas funcionam, nem sempre conseguimos nos concentrar, nem sempre se mover é algo simples. Existem dias e dias. Para alguns de nós apenas conseguir levantar da cama e sair do quarto já é uma grande vitória e, sinceramente, é assim que precisa ser encarado.
Antes de qualquer coisa precisamos olhar com mais cuidado e carinho para nós mesmos. O que pode parecer um "não fazer nada", muitas vezes pode ser um descanso para o seu cérebro. Precisamos nos permitir reservar um tempo para nada, pois como disse Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa): "Há metafísica bastante em não pensar em nada." É isso. É preciso aceitar que às vezes o melhor que você faz para si mesmo é não fazer nada, é ouvir uma música despretensiosamente, é comer algo realmente saboreando, é ler algum trecho de livro que te faz bem, é ficar em silêncio perto de quem você ama, é cheirar o café antes de tomar o primeiro gole... Depois de dar esse tempo, respirar fundo e voltar para aquilo que, sim, pode esperar uns minutinhos para ser feito.
Na nossa realidade atual é um privilégio poder fazer isso sem um peso na consciência, sem precisar pensar nas inúmeras coisas que você poderia estar fazendo ao invés de, sei lá, ouvir sua mãe contando uma história engraçada sobre aquela fulana que você nem sabe quem é, mas você sabe que ela só quer compartilhar isso com você. Ou mesmo parar para brincar com seu pet, ir jogar uma aguinha nas plantas, pintar a unha, ir dar um cheiro no seu amor. Mesmo quando parece não haver tempo, é preciso tirar ao menos uns minutinhos para si e para os que estão com você. 
Neste período de isolamento parece que, além das obrigações, os nossos próprios monstros internos vêm todos os dias nos perturbar, todos aqueles sentimentos ruins que gostam de te apavorar sempre que você não está bem. Mas é preciso lembrar que diante dessa doença que não temos a cura ainda e nem sabemos quando as coisas poderão voltar ao normal, precisamos nos fortalecer. Eu sei que não é fácil, e como sei, no entanto, precisamos aproveitar aquelas brechas que aparecem, aqueles momentos divertidos, aqueles dias bons em que você acorda e sente o sol da manhã, aqueles pequenos intervalos de tempo em que você esquece que precisa se preocupar com algo.
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa. 
(Alberto Caeiro). 
O poema fala por si só. Um abraço virtual quentinho e até a próxima.

Comentários

  1. Belo texto, apersar de parecer desanimador e desesperador a realidade a nossa volta, a sempre u momento, uma hora que o melhor é apenas respirar e olhar para janela sem motivo aparente, apenas pelo prazer de fazer o nada e aquieta a alma.

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    Respostas
    1. Obrigada!
      São esses pequenos momentos que nos ajudam a continuarmos sãos.

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  2. Texto tão importante, Cindy! Eu amei, ainda mais por ter poemas do Pessoa ♡

    Justamente por este ser um momento em que fica escancarada a nossa fragilidade enquanto seres humanos, deveríamos nos ater mais aos inúmeros "milagres cotidianos", essas simplicidades, por assim dizer, que na verdade representam tudo. A vida é muito breve, e exige presença. Estar aqui, agora.

    Um abraço enorme! Fique bem.

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    Respostas
    1. Penso exatamente como você, Larissa. Força para nós e que fiquemos bem. Abraço! ❤️

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