Algumas escritoras brasileiras contemporâneas para conhecer em 2020.

Para o primeiro post do blog este ano resolvi trazer uma lista de autoras brasileiras contemporâneas que precisam ser mais conhecidas e lidas, tendo em vista que a maioria delas é pouco conhecida fora do âmbito acadêmico. Estas mulheres são, além de exímias escritoras, grandes exemplos de força, resistência, inteligência, entre outras qualidades perceptíveis em suas obras e histórias de vida.
Tive o prazer de ler obras das seis autoras aqui apresentadas, as outras três que cito ao final estão na minha lista de leitura faz tempo, no entanto uma hora essas leituras saem e espero que vocês também se proponham a ler algo delas. Agora vamos à lista.
  •  Maria Valéria Rezende:

Maria Valéria é uma paulista que vive na Paraíba, nasceu em 1942 e continua atuante na cena literária brasileira. Seu último livro publicado foi Carta à Rainha Louca (2019), o qual é o objeto de análise na atual pesquisa que estou desenvolvendo. Além dele, a autora publicou um bom número de obras, sendo as mais conhecidas: Quarenta Dias (2014), Vasto Mundo (2001), Ouro Dentro da Cabeça (2012), O Voo da Guará Vermelha (2005), entre outros romances, ensaios, contos e crônicas, alguns também para o público infanto-juvenil. Bem como teve livros traduzidos e publicados em diversos países.
Desde 1965, Maria Valéria é freira — cônega de Santo Agostinho — , mas só viveu enclausurada nos tempos de noviça (“Nunca li tanto!”). Ela diz já ter nascido feminista: “a vida toda eu fui teimosa”. Nos anos 1960, militou na Juventude Estudantil Católica (JEC) e, depois, nas fileiras da Teologia da Libertação. Acompanhou a ascensão da segunda onda feminista e os esforços para construir uma Igreja mais próxima dos pobres. Hoje, aos 76 anos, ela luta por um mercado editorial mais inclusivo. Maria Valéria é uma das criadoras do Mulherio das Letras, movimento que divulga e incentiva a literatura produzida por mulheres. O Mulherio já realizou dois encontros no Brasil — um em João Pessoa, onde Maria Valéria vive, em 2017; e outro no Guarujá, no ano passado — e um em Portugal. Dizem que Maria Valéria idealizou o movimento, mas ela afirma que apenas criou um grupo no Facebook que hoje conta com mais de 6 mil membras. O rosto dela se ilumina ao falar do Mulherio. (Trecho retirado do Jornal O Globo, 2019).
Além de freira e feminista ela é formada em Língua e Literatura Francesa, Pedagogia e é mestre em Sociologia. Desde os anos 1960 se dedicou a levar educação às pessoas carentes, o que a fez viajar pelo Brasil e pelo mundo ajudando-as através do ensino. Em 2018 tive o prazer de vê-la pessoalmente na UESPI de Teresina com meus amigos da faculdade durante o IV Colóquio Internacional de Literatura e Gênero, infelizmente não pude ficar para a sua palestra porque precisávamos pegar o ônibus para voltar para casa. Mas a vimos passar de carro do nosso lado e ela (toda fofinha) acenou com a mão pela janela e sorriu. ❤
Dentre as temáticas mais presentes em suas obras estão: a busca de mulheres por sua essência e lugar no mundo, o descontentamento com os padrões e injustiças sociais impostos pelos que detêm o poder, diferenças, sonhos, travessias, educação, entre outros assuntos urgentes e necessários.

  • Maria José Silveira:

Maria José é uma escritora, tradutora, editora e jornalista nascida em Goiás, em 1947. Entre os anos de 1966 a 1968 estudou na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília - UnB. Mudou-se para São Paulo, em 1969, e começou a trabalhar como redatora publicitária. Com seu marido, no auge da Ditadura Militar do Brasil, entra para a clandestinidade, pois ambos são acusados de desenvolver atividades "subversivas", tendo assim que ir buscar exílio no Peru.
Ela integrou aquele grupo de intelectuais que não aceitavam a censura e muito menos eram a favor do atual governo totalitário. As críticas aos atos violentos, terrorismo e atrocidades cometidas pelos militares foram retratadas em O Fantasma de Luis Buñuel (2004) e O Voo da Arara Azul (2007), sendo a última voltada para o público juvenil e que através do olhar de um pré-adolescente mostra o que acontecia naquela época. Claro que tal obra não poderia ter sido lançada durante aquele período, mas a sua importância se dá justamente ao marcar a Memória (e Verdade) do que aconteceu nos anos de chumbo. 
Algumas de suas obras são: A Mãe da Mãe de sua Mãe e suas Filhas (2002), Eleanor Marx, Filha de Karl (2002), Guerra no Coração do Cerrado (2006), Com esse Ódio e esse Amor (2010), entre outras. Obras que trazem sempre mulheres fortes e donas de si, que buscam se impor e que tiveram um grande papel na História, mesmo diante de todas as dificuldades.

  • Angélica Freitas:

Angélica Freitas (no twitter: @rilkeshake) é uma poeta nascida em 1973, em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Publicou, entre outros, o premiado volume de poesias Rilke Shake (2007), além do incrível Um útero é do tamanho de um punho (2012), ambos pela editora Cosac Naify. Teve obras traduzidas na Argentina, Espanha, México, Estados Unidos, Alemanha e França, mostrando assim que a força da sua poesia. Sua primeira publicação foi na antologia argentina de poesia brasileira contemporânea Cuatro poetas recientes del Brasil (2006), e desde então se torna assídua na cena participando de festivais literários, mediando oficinas, sendo publicada em revistas etc. 
[...] são versos de entrega, que expõem fragilidades, mas que ao mesmo tempo, fazem a gente se sentir nocauteado. (Revista TPM). 
A definição acima sobre os versos da autora feita pela repórter Natacha Cortêz foi uma das melhores que já li, pois é justamente essa a sensação que sua poesia traz: de nocauteamento. A minha favorita dentre as suas obras é Um útero, tanto que escrevi um artigo analisando as várias representações do feminino presentes nele, que foi publicado no livro Espelhos peregrinos: diálogos literários na contemporaneidade (2019). Esse livro de Angélica é composto por poemas variados e com versos livres, linguagem coloquial e uma aparente despretensão que são pano de fundo para reflexões mais profundas.
uma mulher incomoda/ é interditada/ levada para o depósito/ das mulheres que incomodam/ loucas louquinhas/ tantãs da cabeça/ ataduras banhos frios/ descargas elétricas/ são porcas permanentes/ mas como descobrem os maridos/ enriquecidos subitamente/ as porcas loucas trancafiadas/ são muito convenientes/ interna, enterra. (Poema de Um útero é do tamanho de um punho).

  • Alice Sant'Anna:

Esse rostinho lindo também escreve livros incríveis. Alice Sant'Anna também é poeta, nascida em 1988, no Rio de Janeiro. Possui graduação em Jornalismo (2010), pós graduação em Letras e mestrado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade (2013), pela PUC Rio. Começou a escrever aos 16 anos — quando fez uma viagem para fora do país — sendo publicada pela primeira vez em 2008, com o livro Dobradura. Além dele, é autora de Pingue-pongue (2012), Rabo de Baleia (2013) e Pé do Ouvido (2016). Seus versos são marcados pela simplicidade, exploram o cotidiano de uma forma bonita e cheia de subjetivismo.
na rua dos bacalhoeiros/ em frente à casa dos bicos/ pontualmente às seis em pleno domingo/ todas as lojas fechadas/ sento na calçada para assistir/ ao balé das andorinhas/ são milhares, trilhares em revoada/ que mergulham sincronizadas/ feito um cardume/ para anunciar em coro/ os últimos dias de inverno. (Poema do livro Dobradura).

  • Conceição Evaristo:

Conceição Evaristo é com certeza uma das escritoras aqui citadas com uma história de vida das mais inspiradoras. Teve uma infância muito humilde e hoje é uma das mais importantes intelectuais e escritoras brasileiras. Nasceu em Belo Horizonte, em 1946 e migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. É graduada em Letras pela UFRJ e trabalhou como professora da rede pública de ensino da capital carioca. É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996), e Doutora em Literatura Comparada na UFF, com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos (2011). 
Participante ativa dos movimentos de valorização da cultura negra em nosso país, estreou na literatura em 1990, quando passou a publicar seus contos e poemas na série Cadernos Negros. Escritora versátil, cultiva a poesia, a ficção e o ensaio. Desde então, seus textos vêm angariando cada vez mais leitores. A escritora participa de publicações na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Seus contos vêm sendo estudados em universidades brasileiras e do exterior, tendo, inclusive, sido objeto da tese de doutorado de Maria Aparecida Andrade Salgueiro, publicada em livro em 2004, que faz um estudo comparativo da autora com a americana Alice Walker. Em 2003, publicou o romance Ponciá Vicêncio, pela Editora Mazza, de Belo Horizonte. (Retirado do Portal da Literatura Afro-brasileira).
Conceição também é autora de Becos da Memória (2006), Insubmissas lágrimas de mulheres (2011), Olhos d'Água (2011), Histórias de leves enganos e parecenças (2016), entre outros romances, livros de contos e antologias. Suas obras tratam de relações de gênero, contextos sociais relacionados ao racismo e ao sexismo, sobre a condição e complexidade da mulher negra, através de um olhar no qual os personagens negros não são mostrados como figuras caricatas — o que está presente em boa parte das obras de alguns autores brancos, principalmente do séc. XIX para trás — bem como de suas complexidades, vivências e memórias.
Como experiência pessoal, ao ler Olhos d'Água tive um misto de sensações que poderiam ser muito bem definidas como um soco no estômago, e essa é uma das características da escrita de Conceição, uma escrita visceral que de um modo poético mostra a dura realidade de quem por muito tempo foi colocado à margem.

  • Ana Martins Marques:

Ana Martins Marques foi um grande achado neste ano, li O Livro das Semelhanças (2015) em janeiro e me encantei pela sua escrita. Nasceu em 1977, em Belo Horizonte, graduou-se em Letras, é Mestre em Literatura Brasileira e tem Doutorado em Literatura Comparada pela UFMG. É autora de A Vida Submarina (2009), Da Arte das Armadilhas (2011) que venceu do Prêmio Biblioteca Nacional em 2012, Duas Janelas (2016) e Como se fosse a Casa (uma correspondência) (2017).
Sua poesia é de acordo com as palavras do crítico Murilo Marcondes uma elaboração formal a uma reflexão sobre a vida, promovendo um "estreitamento entre linguagem e experiência". E foi isso que percebi ao ler os seus versos, pois ela faz jogos com a linguagem, significados e suas experiências subjetivas que trazem beleza e aprofundamento ao que ela escreve. Podemos ver isso em dois dos meus poemas favoritos dela:
Ela disse/ mar/ disse/ às vezes vêm coisas improváveis/ não apenas sacolas plásticas papelão madeira/ garrafas vazias camisinhas latas de cerveja/ também sombrinhas sapatos ventiladores/ e um sofá/ ela disse/ é possível olhar/ por muito tempo/ Há estes dias em que pressentimos na casa/ a ruína da casa/ e no corpo/ a morte do corpo/ e no amor/ o fim do amor/ estes dias/ em que tomar o ônibus é no entanto perdê-lo/ e chegar a tempo é já chegar demasiado tarde/ não são coisas que se expliquem/ apenas são dias em que de repente sabemos/ o que sempre soubemos e todos sabem/ que a madeira é apenas o que vem logo antes da cinza/ e por mais vidas que tenha/ cada gato/ é o cadáver de um gato. (O Livro das Semelhanças). 
E então você chegou/ como quem deixa cair/ sobre um mapa/ esquecido aberto sobre a mesa/ um pouco de café uma gota de mel/ cinzas de cigarro/ preenchendo/ por descuido/ um qualquer lugar até então/ deserto. (O Livro das Semelhanças).

Outros exemplos importantes para serem mencionados aqui são as autoras: Geni Guimarães, Adriana Lisboa e Patricia Melo, que assim como as outras têm um importante papel na literatura brasileira da atualidade.
O intuito desse post foi apresentar essas autoras a quem ainda não as conhece, como também para que elas sirvam de inspiração para nós mulheres, pois através da sua literatura e trajetória podemos nos enxergar melhor enquanto ser feminino, tanto no âmbito dos sentimentos quanto na vida profissional, nas lutas que partilhamos todos os dias, na busca por nosso lugar no mundo. 

Espero que tenham gostado e, melhor ainda, se interessado por buscar conhecê-las melhor. Até a próxima, abraços. 🌹

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