Resenha: Jane Eyre, de Charlotte Brontë.

Charlotte Brontë (1816-1855), foi uma escritora inglesa do século XIX, nascida em Thornton, Yorkshire. A terceira filha do casal Patrick e Maria, e a mais velha entre Anne e Emily Brontë. Começou a escrever, juntamente com suas irmãs, ainda quando criança. Embora seus primeiros livros publicados tenham sido também assinados com pseudônimo masculino (Currer Bell), Charlotte conseguiu reconhecimento por suas obras com personagens transgressoras e a frente de seu tempo. É autora dos seguintes romances: Shirley (1849), O Professor (1857), Villette (1853), e Jane Eyre (1847), além de vários poemas.
Em 1842, Charlotte e Emily vão para a Bélgica para se matricular na escola Constantin Héger, onde Charlotte acaba apaixonando-se por seu professor, que era casado, mas tudo não passa de um amor platônico. Anos depois ela assume um posto como professora na mesma escola, mas no ano seguinte volta para sua casa. Ao que parece, suas experiencias vividas naquele lugar lhe serviram como inspiração para escrever O Professor e Villette.
Quando criança, após a morte de sua mãe, ela e suas irmãs mais velhas, Maria e Elizabeth, foram mandadas para um colégio interno, onde as condições precárias da instituição fizeram com que suas irmãs adoecessem e morressem de tuberculose. Essa experiencia traumática serviu como inspiração para o colégio Lowood em Jane Eyre. Charlotte teve muitas perdas em sua vida, basicamente viu toda a sua família morrer, primeiro sua mãe, depois as irmãs mais velhas, o pai, o irmão, e suas irmãs caçulas. Diante da dor da perda, ela usou a escrita como sua aliada e como uma forma de lidar melhor com os infortúnios. Ela chegou a casar-se, mas acabou também tendo uma vida curta, pois morreu prestes a completar 39 anos, devido a complicações em sua gravidez. É impossível não admirar os Brontë, principalmente as três irmãs que tanto amo. Charlotte conseguiu transformar seu sofrimento e inquietações em arte, e mesmo tento todas as limitações impostas nas mulheres do século XIX, conseguiu através de sua escrita criticar esse sistema e nos mostrar mulheres fortes e independentes em seus livros.


"Não sou um pássaro, e não fui presa em uma armadilha. Sou um ser humano livre com minha vontade independente."
A frase acima é uma das mais célebres deste romance que me trouxe tanta indignação, sorrisos, lágrimas e empatia pela minha querida Jane. Brontë escreveu seu livro aos moldes do romance de formação alemão do século XIX (o Bildungsroman), que são histórias sobre o amadurecimento das personagens desde a infância até a maturidade, vivenciando obstáculos para atingir a vida adulta e conseguir a resolução de seus problemas. O grande diferencial da obra é que esse desenvolvimento da individualidade e identidade das personagens era feita apenas através de figuras masculinas, pois, naquele período, não se acreditava que as mulheres pudessem ter a mesma profundidade. Por isso Jane Eyre é considerada uma obra transgressora, por além de outros temas, trazer à tona que as mulheres podem ser tão complexas na sua interioridade quanto os homens.
O livro começa com a infância de Jane, que sendo órfã de pai e mãe, sem nenhum dinheiro, fica aos cuidados de uma tia que só toma conta dela por obrigação e sem nenhum amor. Amor é algo que Jane não sabia o que significava nessa época, pois todos na casa ou eram indiferentes à ela ou a tratavam muito mal, como sua tia e o filho dela, John Reed. Jane sofreu muitos abusos físicos e mentais na casa de sua tia, apanhava do primo mais velho, era ignorada pelas primas, e quando revidava às provocações e violências do primo, era trancafiada em um quarto isolado da casa, onde as crianças acreditavam ser mal assombrado.
Sua tia acaba mandando-lhe para um colégio interno muito rígido, a escola Lowood. Aqui Jane terá mais uma grande sucessão de sofrimentos. Por ser um local regido por um religioso extremamente rígido e avarento, as meninas de Lowood viviam em uma situação muito precária e tinham até a comida racionada, além de estarem a mercê de castigos severos. Apesar disso, Jane vê em uma de suas professoras, a Senhorita Temple, e em sua única amiga, Helen, um pouco do que significa afeto e companheirismo, mas, mais uma vez vem a perda: uma das passagens mais tristes do livro e que não vou entrar em detalhes, apenas dizer que Jane perde sua amiga.


Passaram-se os anos e ela acaba se tornando professora da escola e logo depois resolve ir atrás de um emprego como preceptora em alguma casa. Jane não almejava um casamento, algo que era considerado o mais apropriado para uma moça de 18 anos. O que ela queria era um emprego para com isso se tornar independente e que a fizesse ser útil ou boa em algo. Pode parecer muito simples para nós essa escolha, mas como se trata de um romance escrito no século XIX, numa época marcada ainda pelo puritanismo, esse ideal de liberdade não era comum.
Começando a trabalhar em Thornfield Hall, uma propriedade no campo, onde seria preceptora de uma menina francesa, Adèle, Jane acaba se apaixonando por seu patrão e tutor da menina, o Sr. Rochester. Edward Rochester era um homem de aparência dura e personalidade igualmente séria, apesar de ter um certo charme, e que guardava um grande segredo escondido entre as paredes de sua propriedade, algo que Jane só descobre em mais um momento trágico de sua vida. Rochester acaba também se apaixonando por Jane, mas nem por isso ela deixa de lado a sua personalidade forte e faz com que isso seja uma paixão cega. Em muitos momentos nós vemos respostas bem dadas que Jane diz a ele sobre as coisas que lhe desagradavam ou que não concordava:
"O senhor pensa que eu sou um autômato? Uma máquina sem sentimentos? E que possa aguentar que tirem de mim a migalha de pão de meus lábios e a gota d'água da vida de minha taça? O senhor pensa que por eu ser pobre, sombria, simples e pequena, não tenho alma ou coração? Se pensa, está enganado! Tenho tanta alma quanto o senhor. E um coração ainda maior!" (p. 440)
Era de se esperar, para as pessoas daquela sociedade, que Jane como sendo "inferior" a Edward, fosse sempre complacente e se sentisse honrada por ter o seu amor. Mas o espírito de Jane não aceitava isso, é inclusive nessa discussão que ela profere sua frase sobre não ser um pássaro engaiolado. Tanto que no dia de seu casamento, o segredo do Sr. Rochester: o fato de ele já ser casado, mesmo não tendo mais uma relação de marido e mulher com sua esposa (prefiro não dizer tudo aqui porque para quem não conhece a história, é um ponto crucial e importantíssimo que não merece ser estragado) faz com que Jane não aceite viver com ele dessa maneira. Ela tem a consciência de que não viveria como sua amante, pois se ocasionalmente ele decidisse que não a quereria mais, ela estaria novamente abandonada no mundo, sem sua liberdade ou independência que tanto desejava, ou seja, sem ter conquistado nada do que tanto queria. Entre "viver de amor" e ir em busca de sua própria sorte, Jane escolhe a segunda opção e foge de Thornfield Hall sem nada a não ser a roupa do corpo e alguns trocados, indo parar nos vilarejos aos redores de Whitcross, e distantes de sua antiga casa.
Neste momento Jane começa a passar por mais adversidades, como se já tivesse sofrido pouco...
Depois que seus tostões acabam, ela passa fome, frio, e começa a vagar moribunda até que encontra uma casa onde lhe dão abrigo, cuidam dela e que depois de recuperada, lhe conseguem um emprego como professora numa pequena escola do vilarejo. Por ironia do destino, algum tempo depois ela acaba descobrindo que Diana, Mary e St. John - as pessoas que a abrigaram em sua casa -, são na verdade seus primos. Isso faz parte e é uma das características marcantes dessas narrativas, pois logo após passar por todos os sofrimentos e fatalidades que ocorreram em sua vida, Jane, que era sozinha no mundo, acaba descobrindo não só uma família como também ser dona de uma herança deixada por seu tio falecido. E aqui, mais uma vez, ela vai recusar um casamento, dessa vez por acreditar que alguém só deveria casar-se por amor e nunca por obrigação.
Mesmo depois de tudo o que lhe acontece, Jane não esquece de seu amor por Rochester e vive se questionando como ele estaria. Tenho impressões muito adversas sobre o sr. Rochester, porque apesar de ser nítido o seu amor e devoção por ela, ainda não dá para engolir certas coisas, por isso eu posso dizer que gosto e não gosto dele, ao mesmo tempo.
Em uma certa noite, Jane acaba ouvindo sua voz gritando seu nome e pedindo para que vá ao seu encontro, nessa passagem podemos ver a presença de alguns elementos sobrenaturais presentes na obra, além da crença de Jane e até de Edward em figuras fantásticas como duendes e fadas. Desse modo ela resolve ir ao seu encontro, que por sinal foi muito emocionante e uma das partes mais bonitinhas e tristes do livro. Aqui temos o momento de redenção do sr. Rochester, e o momento que - finalmente - nossa menina Jane terá seu momento de felicidade e liberdade plena.



Neste livro nós podemos ver críticas ao papel da mulher na sociedade vitoriana; crítica ao cristianismo através da figura do Senhor Brocklehurst, dono de Lowood; algumas características da literatura gótica, como os cenários lúgubres, o confinamento, e eventos sobrenaturais; e críticas à hipocrisia dessa sociedade. É como se Charlotte Brontë percebesse os anseios do público feminino por liberdade e educação, usando seu livro como um verdadeiro manifesto à liberdade, além de em suas mais de 700 páginas nos proporcionar sentimentos dos mais diversos.

Minha trajetória com esse livro acabou sendo bem mais longa do que imaginei. O primeiro contato que tive com essa história foi através do filme de 2011 (as imagens acima são dele), o qual fez com que me visse simplesmente encantada e envolvida com essa história e, claro, morrendo de vontade de ler o livro. Quando finalmente consegui comprá-lo e começar a ler, a vida acadêmica e as leituras obrigatórias não me deixaram devorá-lo de uma só vez. Acabei lendo em pequenas doses, por isso e por ter gostado tanto, pretendo relê-lo em breve. É incrível como as irmãs Brontë, a cada obra que vou lendo de cada uma, me fazem só ter mais certeza que elas são umas das minhas escritoras favoritas. Existem várias adaptações no cinema, ainda pretendo assisti-las, bem como uma série produzida pela BBC. Caso você se interesse pela história, recomendo que procure uma dessas produções e provavelmente depois você estará pesquisando o livro para comprar, rs.
Espero que tenham gostado da resenha, um abraço. 💜

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