Profissões para mulheres e outros artigos feministas, de Virginia Woolf.

Virginia Woolf (1882-1941), nasceu em 25 de janeiro, seu pai era crítico literário, Virginia passou a infância numa mansão londrina junto de seus três irmãos e tratada por sete criados, conviveu com personalidades como Henry James e Tom Hardy, o que com certeza favoreceu o seu contato com a literatura.
Foi uma das romancistas mais inovadoras da literatura inglesa. Destacou-se também como uma das precursoras do feminismo contemporâneo. Escreveu diversos livros que se tornaram clássicos modernistas como: O Quarto de Jacob (1922), Mrs. Dalloway (1925), Rumo ao Farol (1920), As Ondas (1931), Os Anos (1937), Entre os Atos (1941), entre outros. Virginia também escreveu artigos nos quais analisou de um jeito ímpar o papel da mulher em uma sociedade dominada por homens, ideias essas que ajudaram a abrir mais o caminho do movimento feminista. Mesmo com seu enorme talento para a escrita e tendo saído de uma família bem estruturada da alta sociedade londrina, Woolf não conseguiu escapar das doenças da alma. Em 1941, com o estopim da Segunda Guerra Mundial, a destruição da sua casa em Londres durante o Blitz e a fria recepção da crítica à sua biografia do seu amigo Roger Fry, Virginia Woolf foi condicionada ao impedimento da sua escrita e caiu em uma depressão semelhante a que sofreu durante sua juventude. Em 28 de março daquele ano, Virginia colocou seu casaco, encheu seus bolsos de pedras, caminhou para o rio que havia perto de sua casa e se afogou. Virginia deixou um último bilhete para o seu marido Leonard Woolf que dizia o seguinte:
"Querido,
Tenho certeza de que enlouquecerei novamente. Sinto que não podemos passar por outro daqueles tempos terríveis. E, desta vez, não vou me recuperar. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Por isso estou fazendo o que me parece ser a melhor coisa a fazer. Você tem me dado a maior felicidade possível. Você tem sido, em todos os aspectos, tudo o que alguém poderia ser. Não acho que duas pessoas poderiam ter sido mais felizes, até a chegada dessa terrível doença. Não consigo mais lutar. Sei que estou estragando a sua vida, que sem mim você poderia trabalhar. E você vai, eu sei. Veja que nem sequer consigo escrever isso apropriadamente. Não consigo ler. O que quero dizer é que devo toda a felicidade da minha vida a você. Você tem sido inteiramente paciente comigo e incrivelmente bom. Quero dizer que – todo mundo sabe disso. Se alguém pudesse me salvar teria sido você. Tudo se foi para mim, menos a certeza da sua bondade. Não posso continuar a estragar a sua vida. Não creio que duas pessoas poderiam ter sido mais felizes do que nós.
V."
O meu primeiro contato com essa pequena carta de suicídio de Virginia foi no livro A Menina Submersa, de Caitlín R. Kiernan pelo editora DarkSide Books. A protagonista desse livro me lembra muito a Virginia (mesmo sabendo não tanto sobre ela), além dela ter dito que era uma de suas inspirações. 
Profissões para mulheres e outros artigos feministas foi o primeiro livro (de muitos, assim espero) de Virginia Woolf que li. Nele foram reunidos ensaios da autora nos quais ela questiona a visão tradicional da mulher como "anjo do lar" na sociedade patriarcal e mostra as dificuldades da inserção da mulher no mundo profissional e intelectual de sua época. 


Neste livro nós nos deparamos com sete artigos que tratam de várias questões envolvendo a mulher. No primeiro deles,  "Profissões para mulheres" (que é o meu favorito), vemos as ideias e indagações de Virginia sobre a dificuldade que as mulheres tinham (e ainda têm, vamos combinar) em serem produtoras de conteúdo literário. Um dos motivos apontados por ela é o de a maioria das mulheres terem sido obrigadas a se casarem e consequentemente virado mães e donas de casa, assim, não teriam tempo para pensar em escrever. Outro empecilho seria o Anjo do Lar, Woolf cria esse "personagem" usando de uma metáfora e também crítica ao poema homônimo de Coventry Patmore que celebrava o amor conjugal e idealizava o papel doméstico das mulheres (que merda, né?). Para Woolf era preciso "matar" o Anjo do Lar para se libertar dessas amarras que a sociedade impõe que as mulheres sigam:
"E, quando eu estava escrevendo aquela resenha, descobri que, se fosse resenhar livros, ia ter de combater um certo fantasma. E o fantasma era uma mulher, e quando a conheci melhor, dei a ela o nome da heroína de um famoso poema, “O Anjo do Lar”. Era ela que costumava aparecer entre mim e o papel enquanto eu fazia as resenhas. Era ela que me incomodava, tomava meu tempo e me atormentava tanto que no fim matei essa mulher. Vocês, que são de uma geração mais jovem e mais feliz, talvez não tenham ouvido falar dela – talvez não saibam o que quero dizer com o Anjo do Lar. Vou tentar resumir. Ela era extremamente simpática. Imensamente encantadora. Totalmente altruísta. Excelente nas difíceis artes do convívio familiar. Sacrificava-se todos os dias. Se o almoço era frango, ela ficava com o pé; se havia ar encanado, era ali que ia se sentar – em suma, seu feitio era nunca ter opinião ou vontade própria, e preferia sempre concordar com as opiniões e vontades dos outros. E acima de tudo – nem preciso dizer – ela era pura. Sua pureza era tida como sua maior beleza – enrubescer era seu grande encanto. Naqueles dias – os últimos da rainha Vitória – toda casa tinha seu Anjo. E, quando fui escrever, topei com ela já nas primeiras palavras. Suas asas fizeram sombra na página; ouvi o farfalhar de suas saias no quarto. Quer dizer, na hora em que peguei a caneta para resenhar aquele romance de um homem famoso, ela logo apareceu atrás de mim e sussurrou: “Querida, você é uma moça. Está escrevendo sobre um livro que foi escrito por um homem. Seja afável; seja meiga; lisonjeie; engane; use todas as artes e manhas de nosso sexo. Nunca deixe ninguém perceber que você tem opinião própria. E principalmente seja pura”. E ela fez que ia guiar minha caneta. E agora eu conto a única ação minha em que vejo algum mérito próprio, embora na verdade o mérito seja de alguns excelentes antepassados que me deixaram um bom dinheiro – digamos, umas quinhentas libras anuais? –, e assim eu não precisava só do charme para viver. Fui para cima dela e agarrei-a pela garganta. Fiz de tudo para esganá-la. Minha desculpa, se tivesse de comparecer a um tribunal, seria legítima defesa. Se eu não a matasse, ela é que me mataria. Arrancaria o coração de minha escrita."
Esse trecho já diz muito sobre si próprio, talvez mais do que eu conseguiria dizer, e o modo como Virginia se expressa já nos dá um gostinho da sua prosa de ficção. 
No segundo artigo, "A nota feminina na literatura", Virginia fala que a crítica literária de obras feitas por mulheres seria melhor sendo feita por outras mulheres. No terceiro, "Mulheres romancistas", é tratado mais a fundo essa questão da dificuldade que as mulheres tinham em produzir literatura, tanto que a maioria precisou fingir ser homem para conseguir ser publicada, e fala também sobre a ascensão dessas mulheres escritoras que só veio a ocorrer a partir do século XVIII. Nele Virginia cita nomes como o das Irmãs Brontë (💜) e George Eliot. O quarto texto, "A posição intelectual das mulheres" é na verdade uma resposta de Virginia Woolf a um escritor ou crítico (só sei que ele era um babacão) que questiona, ou melhor, destrói e faz pouco do talento que as mulheres têm para a escrita, além de ser a favor da ideia mais do que machista de que os homens são tanto físico quanto intelectualmente superiores às mulheres. As respostas concisas, extremamente bem elaboradas e fundamentadas que Virginia deu a ele são as melhores possíveis, hahaha. No quinto, "Duas mulheres", ela nos apresenta mais uma vez seus ideais e fala sobre o pouco que se deixava que mulheres fossem atrás do conhecimento: 
"Havia a castidade, claro, e a inocência, a doçura, a generosidade, a afabilidade virginal; todas elas sofreriam se se permitisse que as mulheres aprendessem grego e latim. (...) há um instinto masculino forte e inextirpável de que uma jovem culta ou mesmo talentosa é o monstro mais intolerável de toda a criação." 
O penúltimo texto,  "Memórias de uma União das Trabalhadoras"  foi escrito por Virginia como a introdução de um livro chamado "A Vida como Conhecemos", a pedido das organizadoras dele. Ela fala sobre o longo caminho que elas levaram até a compilação desse livro, as lutas, congressos, trabalhos, intervenções e histórias de vida dessas mulheres, que por sinal foram muito árduas e tristes. E o último artigo é sobre a atriz shakespeariana Ellen Terry (este é também seu título), o seu legado, história de vida e principalmente a mulher extraordinária que ela foi: 
"E assim, enquanto outros atores são lembrados por terem sido Hamlet, Fedra ou Cleópatra, Ellen Terry é lembrada por ter sido Ellen Terry."
Essa foi com certeza mais uma leitura super enriquecedora e que trata de assuntos pertinentes até hoje. Virginia foi uma das mulheres que mais ajudou a levar em discussão e dar visibilidade à causa feminista, essa é com certeza uma leitura fundamental para você, que assim como eu quer ir a cada dia estudando e se aprofundando mais nesse assunto. E é sempre bom lembrar, ainda mais por causa de algumas pessoas que ainda pensam que feminismo é um monstro de sete cabeças devorador de homens ou de abominação às tarefas de casa e a se casar e ter filhos, esse movimento nada mais é do que a busca de nós mulheres por respeito, oportunidades e direitos iguais. Nós podemos ser o que quisermos, só não podemos deixar que qualquer outra pessoa escolha isso por nós!

Espero que tenham gostado da resenha. Um grande abraço e até a próxima. ❤️

Comentários

  1. gostei muito sim de sua resenha, Cindy! já sentia vontade de ler Virginia Woolf, agora ainda mais. gostei do resumo dos textos, e fiquei curiosa a respeito da resposta ao 'crítico' machista. hahaha
    foi muito bom reencontrar teu blog, espero que venham mais textos <3 vi que gosta de Goethe também, tô numa vontade de relê-lo!

    beijo!

    Helen
    um velho mundo

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    1. Ahh, que linda! Muito obrigada. Sim, eu amo Goethe, mas ainda preciso ler o seu Fausto. <3

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