Resenha: O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë.

Emily Brontë, por Branwell Brontë (1833).
Único romance de Emily Brontë (1818-1848), O Morro dos Ventos Uivantes é até hoje um dos mais singulares e surpreendentes romances do século XIX. Emily veio de uma família talentosa, suas duas outras irmãs, Charlotte e Anne, também escreviam e seus romances são notáveis até hoje por abordarem mulheres fortes e que destoavam dos padrões estabelecidos em sua época; assim como seu irmão, Branwell, que apesar de ter sido uma pessoa perturbada, tinha talento para a pintura. Emily e suas irmãs cresceram reclusas no interior da Inglaterra, sendo reprimidas pelos moldes cristãos da época, como acontecia com a maioria das moças. Porém, mesmo com empecilhos, elas não deixaram de escrever e nem de publicar suas obras, usando pseudônimos masculinos elas conseguiram driblar o preconceito que havia contra mulheres escritoras.
O pseudônimo que Emily usou foi o de Ellis Bell, o que fez com que a sociedade da época se chocasse com a descoberta de que O Morro dos Ventos Uivantes teria sido escrito por uma mulher. Isso porque as pessoas não conseguiam acreditar que uma obra como esta, que trata de tanta maldade, cobiça, vingança, crueldade e violência tivesse saído da cabeça de uma moça do interior, virgem e que nunca havia se casado. Felizmente, para a nossa época, sabemos que é perfeitamente normal que possa existir esses tipos de ideias e pensamentos na cabeça de qualquer pessoa, afinal somos seres humanos, mas ainda no século XIX, a Inglaterra Vitoriana estava muito marcada pelo puritanismo e repressão às mulheres, tanto que por muito tempo não acreditava-se que Emily havia mesmo escrito seu romance, algumas teorias atribuíram a autoria de Wuthering Heights ao seu irmão, por ser um alcoólatra e ter uma mente perturbada. Além disso, o romance de Emily recebeu várias críticas e foi até considerado imoral, por abordar temas tão pesados e sombrios.


Se você está esperando por uma linda história de amor, saiba que O Morro dos Ventos Uivantes está longe de ser assim. O livro trata sim do amor, mas de um amor doentio, obsessivo e devastador de Heathcliff e Cathy, que destrói a tudo e a todos que se colocam em seu caminho. Acho que a definição perfeita para esta história seria a que ela é sobre vingança.
O livro começa a ser narrado por Lockwood, um homem que vai visitar Wuthering Heights (O Morro dos Ventos Uivantes):
"Wuthering Heights é o nome da residência do senhor Heathcliff. 'Wuthering' é um provincianismo que descreve o tumulto atmosférico a que esse local está sujeito em época de tempestades."
Ele se autodenomina um homem um tanto misantropo, por esse motivo estava em busca de uma propriedade distante da movimentação da cidade para viver sozinho. Chegando em Wuthering Heights, Lockwood se depara com uma família e empregados extremamente ríspidos e brutos. Heathcliff, o dono da propriedade, era o pior deles, apesar não ter uma má aparência, era um homem de olhar e palavras cruéis. Os outros moradores da casa são: Hareton Earnshaw (filho do irmão de Cathy), Catherine Heathcliff (que é a filha de Cathy com outra pessoa que não é o Heathcliff, e que acaba se casando com o filho dele) e mais dois empregados. O começo da história é muito cheia de mistério, primeiro nós conhecemos essas figuras intrigantes e ficamos nos perguntando o porquê deles serem assim, o que só vamos descobrir depois que entra a narrativa de Nelly, uma antiga preceptora da casa e que conhece bem a história de cada pessoa ali. Lockwood foi a Wuthering Heights esperando ser bem tratado, como qualquer possível comprador seria tratado pelos donos da propriedade, mas o que acontece é que ele é muito mal tratado por todos eles e não consegue voltar para Thrushcross Grange (outra propriedade que é de Heathcliff e que Lockwood queria comprar), por estar nevando e ser impossível andar por lá assim sem acabar perdido e morto. Por isso, Lockwood é obrigado a passar a noite lá. 
No quarto onde ele fica, acaba encontrando algumas coisas referentes a Catherine Earnshaw e Heathcliff, o que faz com que ele fique com o nome de Cathy em sua mente e acaba tendo um pesadelo em que ela aparece em sua janela e tenta entrar. Após esse sonho perturbador, ele acorda e se depara com Heathcliff no corredor, lhe conta do sonho e na mesma hora vê ele, que era um homem aparentemente tão duro, começar a chorar desesperadamente e chamar por essa Catherine, pedindo para que ela entre e lhe leve. Sem entender nada, Lockwood resolve sair de lá imediatamente até Thrushcross Grange, onde encontra Nelly e lhe faz algumas perguntas. É partir de então que vamos descobrir todo o emaranhado dessa história.

O sonho assustador de Lockwood, em ilustração de Fritz Eichenberg (1901-1990).

Numa viagem a Londres, o pai de Catherine encontra Heathcliff, um garoto maltrapilho, de pele escura e sozinho, acaba sentindo pena dele e o leva para sua casa para ser criado junto de seus filhos. Cathy e Heathcliff começam a ser inseparáveis desde então, mas o irmão dela, Hindley, começa a tratá-lo mal, e não falo de simples implicância infantil por ciúmes do pai, e sim de verdadeiras humilhações. Só que aqui também não vamos ter o esperado, de que Heathcliff aja como uma vítima, na verdade, tudo o que Hindley faz, ele vai e se vinga de um jeito muito pior. Catherine e Heathcliff são na verdade dois anti-heróis, e estão longe de serem um lindo casal que se formou desde a infância e que enfrentou o baixo nascimento dele para ficarem juntos. Não. Catherine apesar de amá-lo profundamente:
"Não sei de que são feitas as nossas almas, mas sei que a minha e a dele são iguais."
é bem realista em saber que não seria aceito que ela se case com ele, por isso acaba se casando com o vizinho herdeiro de Trushcross Grange, Edgar Linton, que era um homem bom até, mas nunca foi realmente amado por Cathy. Depois de descobrir isso, Heathcliff vai embora sem dar satisfação a ninguém e volta três anos depois, mudado e rico (ninguém nunca vai saber a procedência dessa fortuna dele). E é a partir de sua chegada que começa a ser engatilhado todo o plano de vingança dele, contra todas as pessoas que o maltrataram de alguma forma.
E ele consegue. Heathcliff, quanto mais o tempo vai passando, vai se tornando ainda mais cruel e sombrio. O primeiro de sua lista era, claro, Hindley. Ele o faz se endividar com ele lhe emprestando dinheiro para jogar, com isso Hindley perde tudo, inclusive sua herança do pai morto, Wuthering Heights. Também chega a fingir amor e casar-se com a irmã de Edgar, Isabella, só para se tornar o herdeiro legítimo de Thrushcross Grange quando Linton morresse, o que ele esperava que fosse logo (pois é, as mulheres não tinham direito a nada, tudo era propriedade dos homens, inclusive elas mesmas). Depois de casados, ele a maltratava de todas as formas, físicas e principalmente psicológicas, quando Isabella ficou grávida conseguiu fugir de Wuthering Heights e criar seu filho (Linton) sozinha. A única pessoa na face da terra que Heathcliff chegou a amar foi Cathy, e de um jeito nada saudável, afinal, ele não torcia por sua felicidade individual, apenas queria que eles ficassem juntos.
Resumindo: Heathcliff toma tudo de Hindley e o leva a morrer na miséria, fica com seu filho (Hareton) e o trata como  foi tratado por ele, fazendo o menino sofrer tudo o que sofreu na infância; casa-se e transforma a vida da irmã de seu rival num inferno; depois da morte de sua mulher pega o filho para criar, mas o odeia profundamente; faz com que seu filho se case com a filha de Cathy e a maltrata também, por ela ter morrido em seu parto; e faz Edgar Linton morrer de desgosto... 
Apesar de tudo isso, nós ainda conseguimos sentir empatia (em alguns momentos) pelo Heathcliff, só mesmo lendo para entender isso. Nessa história nós não temos nenhuma pessoa que seja totalmente boa e nem totalmente má, aqui são retratados seres humanos em suas várias nuances e principalmente a força destrutiva desse amor/obsessão dos protagonistas.

O desespero de Heathcliff sobre a sepultura de sua amada, em ilustração de Fritz Eichenberg (1901-1990).

O Morro dos Ventos Uivantes era mais um daqueles livros que eu sempre tive muita vontade de ler e depois que li me surpreendi mais do que imaginava. O último encontro de Heathcliff e Catherine antes da morte dela foi uma das cenas mais intensas que já li, o clima sombrio do livro também foi outra coisa que me prendeu muito. Como a cena em que *SPOILER DOS GRANDES* Heathcliff desenterra o corpo de sua amada e dá o seu adeus, o final trágico de Heathcliff, além de outras tantas passagens. *FIM DO SPOILERZÃO*
A escrita de Emily Brontë também é outra coisa incrível e que merece todo o reconhecimento que tem, acho que o que também ajudou bastante foi a tradução do meu livro que é da Rachel de Queiroz (recomendo muito). A verdade é que desejo ler e me aprofundar nas obras das irmãs Brontë, não vejo a hora de começar a ler os romances delas e os poemas da Emily.
Outra coisa que gostaria de compartilhar com vocês é que existe uma música que provavelmente você já deve ter escutado, mas ainda não sabe, de Kate Bush. Essa cantora fez uma música intitulada de Wuthering Heights que a letra é como se a Cathy estivesse falando com o Heathcliff depois de morta, é simplesmente belíssima e muito performática. Quem quiser ouvir é só clicar aqui, coloquei o link do clipe legendado. Existe várias outras versões, uma das minhas favoritas é na voz da minha diva gótica Tarja Torunen com a banda Angra, e que vou deixar aqui para quem quiser ouvir. 

Espero que vocês tenham gostado da resenha, um beijo grande e até a próxima. 💜

Comentários

  1. Adoro o filme, tenho o livro e quero muito lê-lo. Amei a ideia do seu blog, também sou uma alma meio antiga se tratando de livros, os clássicos são os melhores! Sua resenha ficou ótima!

    Toca da Lebre

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  2. Muito obrigada, moça!
    Dei uma olhada no seu blog e gostei bastante. <3

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