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Resenha: A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

Atriz Rita Elmôr, interpretando Clarice no teatro.
“Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.”
A Hora da Estrela é um dos mais célebres romances escritos pela maravilhosa Clarice Lispector, a obra foi publicado em 1977, sendo adaptada para o cinema em 1985.
Este livro trata da história de Macabéa, uma jovem nordestina de 19 anos, órfã de pai e mãe, que foi criada por uma tia que nunca chegou a ter o mínimo de carinho por ela, a verdade é que Maca nunca teve o carinho de ninguém:
“Quando era pequena tivera vontade intensa de criar um bicho. Mas a tia achava que ter um bicho era mais uma boca para comer. Então a menina inventou que só lhe cabia criar pulgas pois não merecia o amor de um cão.”
Após a morte da tia, Macabéa se vê sozinha no Rio de Janeiro, trabalhando como datilógrafa (mesmo não tendo o domínio da palavra), ganhando menos que um salário mínimo e morando num quarto alugado com algumas moças.
A história nos é contada através do narrador Rodrigo S. M., na verdade é um pseudônimo que Clarice usa, mas mesmo com um nome diferente e apesar da tentativa de se afastar da história relatada, nós podemos ver muito da Clarice no Rodrigo, meio que a essência dela não conseguiu se esconder.
No começo do romance, o narrador vai nos dando pequenos detalhes e características da Macabéa, físicas e, principalmente, psicológicas e emocionais. Fazendo algumas reflexões e despertando nossa curiosidade de conhecer a história dela, o que nos faz criar uma grande empatia, tanto que em alguns trechos eu realmente não consegui segurar as lágrimas. Maca é descrita como uma pessoa que não tem nem consciência da sua existência, ela simplesmente existe e é quem é, sem nunca se perguntar sobre nada ou ao menos reclamar das coisas ruins que acontecem na sua vida:
“- Se tivesse a tolice de se perguntar ‘quem sou eu?’ Cairia estatelada e em cheio no chão. É que ‘quem sou eu?’, provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto”.
Eu particularmente acho muito difícil e triste pensar na possibilidade de conhecer alguém assim, na Maca não lhe falta força para viver, ela nunca poderia ser considerada fraca, assim como ninguém o é, mas sim lhe falta uma motivação. O livro em si gera uma enorme angustia, desconforto, você não consegue ler sem se sentir incomodado com o que acontece na vida da menina Macabéa.
Além disso, ela é descrita como uma pessoa morrinhenta, de ovários murchos, magricela, que vive tendo tosse e ânsias de vômito; ela era virgem e sempre que tinha algum tipo de sonho erótico, acordava no meio da noite para rezar e pedir perdão pelo que considerava errado, afinal, para ela, algo tão bom com certeza não seria permitido. Maca já estava acostumada com o pouco de bom e muito de ruim que tinha na vida, tanto que ela não se considerava uma pessoa triste. As pequenas felicidades de sua vida eram: tomar coca-cola, ouvir seu rádio de pilha e recortar e colar anúncios.
Em certo momento, Macabéa encontra Olímpico, um paraibano por quem se apaixona, e os dois começam um namoro. Namoro esse que não passa de alguns passeios pela cidade, sentar no banco da praça e sem nenhum tipo de afeto. Olímpico era o típico sertanejo endurecido, e que a tratava mal; quando ela o indagava sobre alguma coisa que ouvira na rádio-relógio, Olímpico, que nunca sabia da resposta, sempre tentava sair como superior e apenas dizer que não respondia porque não queria. Mas Maca não se incomodava com isso, assim como não se incomodava com nada, apenas aceitava e era grata por tê-lo.
Outra coisa muito interessante desse livro é que ele se trata de uma metaficção, ou seja, a ficção que tem consciência de que é uma ficção. Nosso narrador Rodrigo S. M. vai nos contar uma história inventada, porém verdadeira, verdadeira como a miséria é, mas com a personagem que foi inventada por ele (em vários momentos também, o narrador nos diz que ele é a única pessoa que alguma vez amou a Macabéa). A partir dessa ficção, podemos também notar uma crítica da própria Clarice. Talvez como uma resposta às pessoas que a criticavam na época por ela nunca ter escrito um romance de denúncia. A denúncia mostrada aqui é tanto sobre as misérias humanas, quanto sobre a figura do narrador: um homem rico, culto, que não sabe e nem nunca passou pelo que a Macabéa passa, mas que é quem conta essa história.
O final desse livro é com certeza um dos mais arrebatadores, onde nós veremos o único momento de “brilhantismo” da nossa protagonista, onde iremos entender que o título do livro não está só por estar, ele faz parte de uma metáfora muito grande e bela de um jeito triste.



E aqui está mais uma indicação de um livro incrível que li e recomendo (dessa vez um brasileiro). A Hora da Estrela já estava na minha listinha há muito tempo, mas ainda não tinha tido a oportunidade de comprá-lo para ler. Foi então que aproveitei um trabalho acadêmico de Psicologia da Educação sobre a “Psicologia da Arte” para escolher esse livro e a própria Macabéa para ser analisada. Obrigada, menina Érica, por me emprestar seu livro. :* 
Espero que tenham gostado da resenha e como sempre falo, que tenham sentido vontade de ler a obra. Caso já tenham lido, deixem nos comentários suas impressões sobre ele, vou adorar saber.

P.S: Também assisti ao filme, só que não gostei dele, não que ele seja de todo ruim, mas pelo simples fato de apenas focar no enredo da história, o que é o menos importante nesse caso. Mas vale como uma recomendação para quem quer apenas ter uma ideia (vaga) sobre o livro.
Abraços. ❤️

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