Resenha: Outra Volta do Parafuso, de Henry James.

Outra Volta do Parafuso foi escrito por Henry James em 1898 e trata-se de uma história que se passa numa reunião de amigos em volta da lareira de uma velha casa em Londres na véspera de Natal.
Após alguns relatos de histórias de horror, um dos presentes na sala, Douglas, diz aos demais que tem uma história muito mais assustadora que as deles, e, detalhe, trata-se de uma história real. Todos ficam extremamente curiosos e excitados para finalmente ouvir o seu relato, mas têm de esperar alguns dias, já que Douglas lhes revela que a história foi escrita por uma amiga que antes de morrer, há vinte anos, lhe enviou o manuscrito e que o mesmo estava guardado na cidade e para ser revelado teria que mandá-lo buscar. É com esse começo que Henry James fisga a nossa atenção para essa história.
Já com o manuscrito à mão, Douglas começa finalmente a contar para seus amigos a história escrita por sua amiga. Assim, o livro Outra Volta do Parafuso começa a ser narrado por sua protagonista. Um fato interessante sobre essa história é que em nenhum momento temos o nome da preceptora.
Uma jovem de  20 anos, professora, filha mais nova de um pobre pároco do interior vai a Londres por conta de um anúncio de vaga de trabalho. É quando encontra uma oferta de emprego para ser preceptora de duas crianças órfãs (Miles e Flora), que estão sob custódia de um tio, mas que não tem afeto ou vontade de cuidar delas. Quando se apresenta para o emprego, a jovem também fica encantada com o tio das crianças - por se tratar de um homem belo e galante, além de muito rico -, a ponto de não achar nem um pouco estranho quando ele lhe diz para que nunca seja incomodado ou informado acerca de quaisquer tipo de notícia relacionada aos seus sobrinhos. 
As crianças moravam em Bly, uma residência de família, no interior, com uma criada, Mrs. Grose. Miles, um menino de apenas oito anos, acabara de ser expulso de sua escola por motivos misteriosos. Sua irmã, Flora, como a própria preceptora diz, parece uma menina extremamente doce e educada, assim como seu irmão. 
Tudo seria maravilhoso em Bly se não fossem os fantasmas de Peter Quint, ex mordomo da casa, e da senhorita Jessel, a ex preceptora, que morrera estranhamente logo depois de deixar a casa. A jovem governanta começa a vê-los em vários lugares, como no alto da torre da casa e na escada em caracol. Quando tem essas visões, comenta com Mrs. Grose, que, ao ouvir seu relato, reconhece as características dos dois e lhe explica a relação deles com as crianças, e o que mais assusta, o fato de eles estarem mortos. Depois de várias dessas aparições, para a narradora, os dois estavam ali para se apossar das duas crianças e encaminhá-las para algum mal. Tendo um trabalho de detetive, ela vai investigando cada aparição e analisando a reação das crianças, que sempre se mostram indiferentes quanto a isso, como se apenas ela pudesse vê-los, mesmo que no seu íntimo ela achasse que não.
Acho que a característica mais importante desse livro é a de a história ser ambígua. Ou seja, fica a cargo do leitor acreditar ou não na preceptora, já que ela é a única pessoa que vê as coisas sobrenaturais acontecendo, mesmo quando as crianças também estão presentes elas se fazem totalmente indiferentes. Muitas pessoas podem até não gostar desse tipo de narrativa que não te dá algo concreto, mas eu, pelo contrário, acho isso genial. É uma forte característica da literatura fantástica essa coisa da ambiguidade, como fala Todorov em seu livro Introdução à Literatura Fantástica: 
"O fantástico implica pois uma integração do leitor com o mundo dos personagens; define-se pela percepção ambígua que o próprio leitor tem dos acontecimentos relatados."
É também uma característica das obras do Henry James driblar a possibilidade de uma leitura fechada, única.
Essa possibilidade, de criar sua própria percepção da história, me fez criar minha versão dos fatos ocorridos nessa narrativa, e que talvez seja o mesmo de alguns leitores. Isso não pode ser considerado como spoiler, então vou contar aqui para vocês: acredito que como as crianças se mostravam sempre como uns anjinhos (mesmo que em algumas partes você perceba algo estranho nisso), acredito eu que os espíritos da antiga preceptora e do mordomo tivessem possuído essas crianças. Além disso, como a preceptora teria acertado todas as características dos fantasmas sem nem ao menos ter visto uma fotografia dos dois? Outro fato que me intriga, é que em alguns momentos o pequeno Miles fala com a preceptora como um homem adulto, galanteando-a. Aqui uma das minhas partes favoritas desse livro, que me fez chegar a essa possível solução:
"(...) Imediatamente, porém, percebi que tinha ido longe demais. A resposta ao meu apelo foi instantânea, mas veio sob a forma de violenta rajada de vento, de uma golfada de ar gelado que sacudiu todo o quarto, como se, ante o rude arremesso do vendaval, as janelas estalassem nos gonzos. Embora eu estivesse junto dele, o menino lançou um grito agudo que, em meio de todo aquele estrépido, poderia ter sido tomado, indistintamente, por uma exclamação de júbilo ou de terror. Pus-me de pé de um salto e tive consciência da escuridão. E assim permanecemos durante um momento, enquanto eu, lançando o olhar em torno, vi que as cortinas estendidas continuavam imóveis e a janela fechada.
- Mas a vela se apagou!
- Fui eu quem a soprou, querida! - respondeu Miles."
O que mais gostei nesse livro foi com certeza o clima em que nós somos imersos, é impossível não se envolver com a história e querer finalmente chegar a ler a conclusão de tudo. Mas, mais uma vez temos aqui uma ambiguidade: o final. É claro que ele não seria tão simples e concreto, como não o é toda a narrativa, fica mesmo a nosso cargo, como leitores, chegar e essa "conclusão" da história, ou apenas aceitar que ela não tenha conclusão alguma.

Henry James nasceu em Nova York, em abril de 1843 e veio a falecer em 1916. É um dos gigantes da literatura de língua inglesa.

Espero que tenham gostado da resenha, e como sempre falo aqui, que tenham se interessado em ler essa história fascinante. Abraços. 

PS: Essas duas lindezas na foto acima são: uma das minhas gatinhas e minha edição do livro da coleção Clássicos da Abril.

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